Em 2023, no artigo acadêmico que desenvolvi na minha pós-graduação em Saúde Mental com ênfase em Dependência Química: psicofármacos, álcool e outras drogas. Relacionei pesquisas publicadas sobre o uso abusivo de álcool e drogas lícitas e ilícitas por pessoas neurodivergentes, principalmente autistas.
Compartilho aqui um resumo deste meu artigo.
Conforme pesquisas (citadas nas referências) há um número crescente de adolescentes e adultos autistas ou com outras neurodivergências, com sinais de dependência de substâncias, geralmente álcool, mas também substâncias ilegais.
Uma característica fundamental do autismo é a dificuldade de socialização e uma consequência comum é a ansiedade social. A pessoa autista pode achar mais fácil socializar quando está levemente intoxicada, com uma sensação de calma e competência.
No final do dia de trabalho, quando uma pessoa não autista está exausta e estressada, ela pode buscar reposição de energia e aliviar a tensão por meio de um passeio e conversa com amigos ou parentes. Esses mecanismos interpessoais de reparo emocional podem ser menos eficazes para uma pessoa autista. O álcool pode ser o seu meio preferido de relaxamento e estabelece-se uma rotina diária de consumo de álcool. Pois, pessoas com autismo têm comportamentos repetitivos com dificuldade de mudança.
Outra consequência do autismo na adolescência é a tendência de ser incompreendido e, portanto, rejeitado pelos pares, gerando sentimentos de falta de conexão e de não pertencimento a nenhum grupo ou cultura específica. A aquisição e o consumo de álcool e drogas – facilmente disponíveis é a “moeda” da popularidade.
Muitos adolescentes e adultos autistas experimentam diariamente altos níveis de ansiedade e descrevem a tentativa de lidar com pensamentos acelerados, que são difíceis de desacelerar, e ruminações, que são extremamente difíceis de bloquear, além de pensamentos intrusivos e catastróficos.
Alguns medicamentos prescritos para reduzir a ansiedade, podem se tornar viciantes após vários meses de uso, com a pessoa desenvolvendo maior tolerância, comprometimento das habilidades cognitivas, problemas de memória e alterações de humor, por este motivo precisa de acompanhamento psiquiátrico. Também pode haver um uso indevido perigoso de outros medicamentos e substâncias por conta própria e o perigo muito real de overdose acidental.
Substâncias também acabam sendo usadas para preencher o vazio existencial.
O que é o vazio existencial?
• Sentimento de falta de propósito: É uma sensação de que a vida não tem um significado ou objetivo claro.
• Desconexão: A pessoa pode se sentir distante de si mesma, de outras pessoas e do mundo ao seu redor.
• Falta de direção: A sensação de estar perdido, sem saber para onde ir ou o que fazer.
• Angústia: O vazio existencial pode levar a uma angústia existencial, um sentimento de ansiedade e desconforto profundo.
Causas e fatores de risco:
• Mudanças significativas na vida: Perda de emprego, morte de um ente querido, mudanças de relacionamento, etc.
• Falta de metas e objetivos: Sentir que não tem nada a alcançar ou a realizar.
• Problemas de relacionamento: Isolamento social ou dificuldades em construir relacionamentos saudáveis.
• Confronto com a mortalidade: Pensar sobre a natureza finita da vida e o que acontecerá depois da morte.
• Crise de identidade: Dificuldade em encontrar ou definir quem se é.
• Problemas de saúde mental: Depressão, ansiedade, e outros transtornos mentais podem aumentar o risco de experimentar o vazio existencial.
A associação entre autismo, TDAH e outras neurodivergências com abuso de substâncias foi confirmada por Butwicka (2017). O mesmo estudo descobriu que problemas relacionados ao uso de substâncias foram observados em 30% dos adultos autistas em ambientes clínicos gerais. Um estudo de avaliações consecutivas de ingestão em uma clínica de transtornos por uso de substâncias para adultos jovens usando um instrumento de triagem para autismo descobriu que 20% tinham características autistas (McKowen et al 2021).
Uma revisão sistemática de pesquisas relevantes (Ressel et al. 2020) sugeriu que até 36% dos indivíduos autistas têm problemas concomitantes com o abuso de substâncias. Uma pesquisa online com mais de 500 adultos autistas descobriu que a taxa de consumo excessivo de álcool era de 54%, sendo a taxa na população não autista de 17%. (Brosnan e Adams 2020).
Felizmente, as habilidades de regulação emocional para o afastamento do vício podem ser aprendidas com o tempo e com uma forte motivação. A primeira etapa é reconhecer o vício, que pode afetar a saúde física e mental e a dinâmica familiar. A segunda etapa é abordar o uso disfuncional de substâncias. Ao longo deste processo, o acesso a um psicólogo, assistente social, conselheiro ou mentor é benéfico para fornecer aconselhamento, tratamento e apoio para a gestão da ansiedade e do medo de ser capaz de lidar com a situação, para encorajar o desenvolvimento de competências sociais, novas redes sociais e um senso de identidade resiliente.
Recuperar-se do vício é um longo caminho, mas a jornada e o destino podem salvar vidas.
Mas, atenção! Não são todas as pessoas com autismo ou outras neurodivergências que têm problemas com álcool ou drogas.
Referências:
Jackson (2016). Sexo, drogas e síndrome de Asperger. Londres, Kingsley.
Kunreuther e Palmer (2018). Beber, usar drogas e dependência na comunidade autista. Londres, Kingsley.
Tinsley e Hendrickx (2008). Síndrome de Asperger e álcool: beber para enfrentar? Londres, Kingsley.
Brosnan e Adams (2020). Autismo na idade adulta.
Butwicka et al. (2017). Jornal de Autismo e Transtornos do Desenvolvimento.
Helverschou et al. (2019) Abuso de Substâncias: Pesquisa e Tratamento. Kronenberg (2015) Tese: Lidando com SUD e co-ocorrência de TDAH ou ASD.
McKowen et al (2021) The American Journal of Addictions.
Rengit et al. (2016) Jornal de Autismo e Transtornos do Desenvolvimento.
Ressel et al. (2020) Autismo.
Weir et al. (2021) Lancet Psiquiatria.