Autismo e Comorbidades


Há fatores que precisam estar obrigatoriamente presentes para confirmar que uma pessoa tem autismo. Os chamados “critérios diagnósticos” são a presença de prejuízos na comunicação e na interação social, e a existência de comportamentos repetitivos e restritivos. 

Cada pessoa com TEA vai manifestar estes dois elementos em diferentes níveis de intensidade, o que vai definir onde ela está no espectro autista. Mas o autismo não é um distúrbio que ocorre de forma isolada, e é aí que entram as comorbidades. Comorbidade é um termo médico que descreve outras condições que podem se manifestar junto ao transtorno do espectro autista. Elas estão presentes em cerca de 70% dos indivíduos com TEA, sendo que 48% deles podem ter mais de uma comorbidade. 

Estas condições associadas podem ser psiquiátricas, como TDAH, ou médicas, como distúrbios do sono. Algumas comorbidades, como as condições psiquiátricas, costumam ser tratadas com a ajuda de remédios. A risperidona, por exemplo, é normalmente indicada para amenizar os sintomas da ansiedade e do TDAH. Já para outros distúrbios, como os déficits de fala, o recomendado é a terapia comportamental e sessões de fonoaudiologia. 

Algumas das comorbidades mais comuns entre as pessoas com autismo são: 

Deficiência Intelectual - Popularmente chamada de “inteligência abaixo da média”, é um transtorno do desenvolvimento que provoca déficits nas capacidades mentais genéricas e prejuízos na função adaptativa diária. Antigamente, acreditava-se que todo autista tinha deficiência intelectual, e foram as pesquisas de Michael Rutter que mudaram esta visão. As causas podem ser múltiplas e o diagnóstico é confirmado por uma avaliação feita por especialistas junto com testes para medir as funções adaptativas e intelectuais. 

Déficits na linguagem e aprendizagem - Todos os autistas têm algum nível de limitação na comunicação, como não compreender expressões faciais. Mas um grupo significativo de pessoas com TEA apresentam um quadro mais grave: mais da metade dos autistas desenvolve algum problema com a fala e 25% são não verbais. Ou seja, é muito comum que uma pessoa com TEA tenha limitações na fala por causa de dificuldades em compreender ou desenvolver vocabulário e estrutura gramatical. Esses déficits linguísticos ficam evidentes na comunicação falada, escrita ou mesmo na linguagem de sinais. Em geral, as primeiras palavras e expressões da criança autista surgem com atraso, o tamanho do vocabulário é menor e menos variado do que o esperado. As frases são mais curtas e menos complexas, com erros gramaticais, em especial as que descrevem o passado. Essa dificuldade na fala acaba interferindo de forma significativa no sucesso acadêmico, no desempenho profissional, na comunicação eficaz e na socialização. É possível que autistas desenvolvam outros distúrbios como: dislexia, hiperlexia, disgrafia, disortografia e discalculia. 

Ansiedade e Depressão - A popularmente chamada de “ansiedade” tem um nome técnico: o Transtorno de Ansiedade Generalizada é definida por uma preocupação persistente e excessiva por diferentes assuntos e, ao longo da vida, o foco da aflição pode variar de um tema para outro. Uma criança, por exemplo, tende a focar excessivamente no seu desempenho na escola ou em atividades sociais, enquanto o adulto pode ter uma agonia intensa por responsabilidades do trabalho, as finanças e saúde de familiares, entre outras coisas. Além disso, são experimentados sintomas físicos, como inquietação ou sensação de “nervos à flor da pele”, fadiga, dificuldade de concentração, irritabilidade, tensão muscular e perturbação do sono. Entre os autistas, há relatos de que a ansiedade afeta de 43% a 84% das pessoas. Em janeiro de 2019, foi publicado pelo Journal of Abnormal Child Psychology um artigo chamado “Prevalência de transtornos depressivos em indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo: uma meta-análise”. A pesquisa usou 7.857 artigos para avaliar a prevalência atual e ao longo da vida de transtornos depressivos unipolares em crianças, adolescentes e adultos com TEA. O estudo mostrou que as taxas de suicídio entre pessoas com TEA foram maiores em estudos que incluíram participantes com maior inteligência. Além disso, a prevalência ao longo da vida foi associada ao aumento da idade. 

Déficit de Atenção e Hiperatividade - Cerca de 59% das pessoas com TEA apresentam sintomas de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o que faz muita gente confundir os dois distúrbios. Mas se por um lado existem similaridades com o autismo – como a pessoa ter dificuldade para organizar tarefas e atividades e frequentemente se remexer ou batucar as mãos ou os pés – o TDAH também traz dificuldades específicas, como ser incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer calmamente ou interromper conversas com frequência. 

Alterações de sono - Mais de 70% das pessoas no espectro autista podem desenvolver alguma alteração no sono. O termo engloba 10 transtornos que afetam a qualidade, o tempo e a quantidade de sono. O sofrimento e o prejuízo resultantes durante o dia, geralmente descrito como cansaço excessivo, são características centrais compartilhadas por todos esses distúrbios. 

Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) - O TOC é caracterizado pela presença de obsessões e/ou compulsões. Obsessões são pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que são vivenciados como intrusivos e indesejados, enquanto compulsões são comportamentos repetitivos ou atos mentais que um indivíduo se sente compelido a executar de acordo com regras que devem ser aplicadas rigidamente. Muitos indivíduos com TOC têm crenças disfuncionais. Essas crenças podem incluir senso aumentado de responsabilidade e tendência a superestimar a ameaça, perfeccionismo e intolerância à incerteza, importância excessiva dos pensamentos e necessidade de controlá-los.

Oposição - Outra comorbidade que pode ser observada em casos de Transtorno do Espectro do Autismo é o TOD (Transtorno Opositor Desafiador). Este transtorno é definido por padrões persistentes de comportamentos negativistas, hostis, disruptivos, desafiadores e desobedientes observados nas interações sociais da criança com adultos e professores (figuras de autoridade) e, também, com seus pares. Este diagnóstico frequentemente precede o desenvolvimento do Transtorno de Conduta, uso abusivo de drogas e comportamento delinquencial. Cerca de 30% das crianças com diagnóstico inicial de Transtorno Opositor Desafiador irão evoluir para o Transtorno de Conduta na adolescência e, naquelas em que o início dos sintomas opositivos e desafiadores foi precoce, antes dos 8 anos de idade, o risco de evolução para o Transtorno de Conduta será muito maior. Quando o TOD não é tratado, a evolução para o Transtorno de Conduta pode ocorrer em até 75% dos casos. Aproximadamente 10% das crianças com TOD, após evoluírem para o Transtorno de Conduta, terão uma evolução para o Transtorno de Personalidade Antissocial (sociopatia), outra condição comportamental gravíssima. O tratamento envolve medicação associada a intervenções comportamentais, que visam reduzir comportamentos indesejáveis e melhorar o desempenho acadêmico. 

Modalidade Patológica de Aprendizagem - A modalidade sintomática (patológica) de aprendizagem pode estar sozinha ou associada a uma causa com comprometimento neurobiológico, como por exemplo, autismo, TDAH e demais síndromes, ou algum distúrbio, como por exemplo a dislexia, discalculia, entre outros. Neste caso, é de extrema importância que o diagnóstico seja realizado por um profissional de neuropsicopedagogia e um médico neurologista ou psiquiatra especializado no transtorno apontado nos testes neuropsicopedagógicos. São consideradas modalidades: 1) Hipoassimilação: Pobreza de contato com o objeto de aprendizagem/conhecimento, esquemas de objetos empobrecidos. Incapacidade de coordenar estes esquemas, déficit lúdico e criativo, prejuízo da função antecipatória, da imaginação e da criação. Só aprende o que é de seu interesse; 2) Hiperassimilação: Precocidade na internalização dos esquemas representativos, predomínio do lúdico e da fantasia, subjetivação excessiva. Desrealização do pensamento, resistência aos limites, dificuldades em assimilar regras, dificuldade para resignar-se; 3) Hipoacomodação: Não tem respeito ao ritmo, tempo da criança não obedece à necessidade de repetição de uma experiência, reduzido contato com o objeto, é mais lento que outras crianças para entender ou reproduzir determinada tarefa. Déficit na representação simbólica, dificuldade na internalização das imagens, problemas na aquisição da linguagem, falta de estimulação, abandono daquilo que não se aprende; 4) Hiperacomodação: Superestimação da imitação, reduzido contato com a subjetividade, falta de iniciativa, obediência cega às normas, submissão, não dispõe de suas experiências anteriores. Superestimulação da imitação e falta de iniciativa.


Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução deste artigo ou parte dele sem prévia autorização da autora. Lei nº 9.610 de 19/02/1998, com alterações dadas pela Lei nº 12.853, de 2013. 

Se usar cite a referência:

SOUZA NEVES, Regiane. Transtorno do Espectro Autista: Conhecer, Diagnosticar, Intervir e Orientar. Souza & Neves Edições. Clube de Autores. 3ª edição. São Paulo, 2023 (ISBN: 978-65-5392-356-0)