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Cotas Eleitorais de Gênero

O percentual mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, denominado de cota de gênero, foi estabelecido pela Lei 9.504/97 (Lei Eleitoral), no artigo 10, §3º, para as próximas eleições. A regra, redigida de modo indistinto no sentido de assegurar a participação de ambos os sexos, objetivou, na verdade, estimular a participação das mulheres no cenário político, espaço do qual estiveram alijadas por longo período e onde, ainda hoje, o percentual de representação no Congresso Nacional é inferior a 10%, colocando o Brasil em alerta quando comparado aos demais países da América.

Herança de séculos de história, a discriminação de gênero é traço marcante da tradicional cultura patriarcal brasileira. Explica-nos o Min. Joaquim Barbosa: 

“O status de inferioridade da mulher em relação ao homem foi por muito tempo considerado como algo, decorrente da própria “natureza das coisas”. A tal ponto que essa inferioridade era materializada expressamente na nossa legislação civil. A Constituição de 1988 (art. 5º, I) não apenas aboliu essa discriminação chancelada pelas leis, mas também, por meio dos diversos dispositivos antidiscriminatórios já mencionados, permitiu que se buscassem mecanismos aptos a promover a igualdade entre homens e mulheres.”

Explicitando o dispositivo citado, a atual Constituição em seu artigo 5º, inciso I, afirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. De tal texto retira-se a norma que a lei infraconstitucional não pode estabelecer distinções, exceto quando ambiciona reduzir desníveis, hipótese na qual estaria em busca da igualdade material constitucionalmente almejada.

Em que pese a inegável ascensão do papel feminino, há odiosos resquícios de sujeição da mulher e ainda obstáculos a serem transpostos na luta pela igualdade de direitos entre os sexos. De forma elucidativa, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher - ratificada pelo Brasil – mostra-nos de que formas se operam a discriminação:

“Artigo 1º. Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”

A discriminação representa, senão a maior, uma das mais difíceis barreiras a ser afastada para que homens e mulheres compitam em pé de igualdade. Ademais, é leviano acreditar que não subsista o preconceito contra as mulheres. Inúmeras são os entraves à participação igualitária em diversos campos da vida social. As representantes do sexo feminino são ainda subrepresentadas politicamente, preteridas no mercado de trabalho ou atingidas por disparidades salariais gritantes e vítimas de assédio sexual e moral, e, muitas vezes, economicamente dependentes. Desta forma, diante de um preconceito patente, por que não cogitar da utilização das ações afirmativas como um instrumento de promoção de uma verdadeira igualdade entre homens e mulheres? É esta também a indagação da Min. Carmem Lucia:  

“Por que não poderiam as mulheres serem afirmadas em condição de desigualação positiva, para virem a ocupar o espaço político que lhes foi negado tradicionalmente, numa atitude histórica indubitável de absoluto preconceito e desconsideração social? As mulheres têm as mesmas oportunidades que os homens na sociedade brasileira para os cargos de comando? Porque para os empregos e cargos de menor significação político-decisória não apenas se têm os mesmos direitos, como alguns são considerados destinados às mulheres. São assim aqueles que se vocacionam ao desempenho de tarefas domésticas ou artesanais, são assim aqueles que se têm, no serviço público, como atividades-meio, dentre outros que se poderiam citar. E na esfera política? As mulheres do mundo deste quase século XXI, sendo mais da metade da população, sendo quase a metade da população incumbida da atividade econômico produtiva, são quase a metade das pessoas que ocupam os cargos de comando político institucional nos Estados? Têm elas as mesmas condições de disputa? Representam sem preconceito ou discriminação na igualdade do seu desempenho socioeconômico e cultural? Recebem a mesma educação para a competição que os homens? São iguais no Direito? Em que Direito?”

Conforme visto, a elevação do direito fundamental à igualdade pressupõe não somente a não discriminação, mas a sua utilização como mecanismo de efetivo acesso a oportunidades por grupos sociais desprestigiados. Neste cenário, surgem as ações afirmativas como políticas realizadas pelo Estado ou pela iniciativa privada, com o objetivo de reparar um histórico de discriminação e marginalização decorrentes de motivos raciais, religiosos, sexuais (dentre outros), visando a inclusão social dos mesmos.

Trouxemos à discussão a reserva de pelo menos 30% (trinta por cento) das candidaturas para representantes do sexo feminino – uma vez que os partidos não fariam o contrário, em dispor 30% para as candidaturas masculinas – pelos partidos ou coligações partidárias.

Fato é que a participação política feminina nos pleitos eleitorais ainda é bastante reduzida e a regulamentação do artigo 10,§3° da lei 9.504 configura – embora, isoladamente não possa resolver o problema – importante avanço. 

É primordial que se compreenda os programas de ações afirmativas não como mecanismo fim e único, mas como um pontapé para que a sociedade reveja a desigualdade nela existente.


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Para usar como referência:

SOUZA NEVES, Regiane. A voz e a vez das mulheres na política: Conhecer para Transformar. Clube de Autores. 2ª edição. São Paulo, 2022. ISBN: 978-65-5392-366-9